quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Sob A Ótica Divina

[Autor: Wiliam Fabricio]

A noite estava desagradável, por não estar agasalhado, e sem nenhum guarda-chuva. Estava frio e chuviscando. Na rua, poucas pessoas. Os passos eram audíveis, ainda que baixos, e seguiam apressados. Os pingos sobre as lentes dos óculos faziam com que o semáforo saísse de foco, distorcido, assim como os faróis dos carros, que sucediam-se, lentamente, devido ao trânsito na cidade maquiada.

A calçada molhada remetia-o à sua rasa memória, outrora, de uma inundação que acarretou à belíssima cidade um verdadeiro caos, regado ao odor, impaciência, pressa, fome, medo e um show à parte de sujeiras fisiológicas, plásticas, metálicas e outras mais, emergindo diante de seus olhos, na zona mais limpa da mesma. Lembrara quase que perfeitamente a hora em que chegara em casa, cansado, suado e ciente de que não teria uma boa noite de sono. Porém, os fragmentos memoráveis desse dia sumiram, quando voltava sua atenção ao semáforo à sua frente, visando atravessar a rua.

Caminhava em direção ao ponto de ônibus improvisado, ao lado da banca de jornal, e mantinha-se próximo a uma árvore, que agitava suas folhas com a ajuda do vento frio e úmido. Não demorara muito para que um mendigo, já conhecido por ele, seguisse em sua direção.

O jovem mendigo trajava ao menos um casaco, seguido de uma bermuda e sandálias bem simples, e usava involuntariamente um cabelo desgrenhado. A abordagem do rapaz o surpreendera, ainda que não tivesse uma boa dicção e força na voz. Talvez, esse último, devia-se ao fato de estar com fome. Todavia, ele mostrara o mínimo de educação, diferentemente das pessoas do dia-a-dia, que tiveram a oportunidade de tê-la.

O mendigo cujo nome não fora entendido apresentou-se com um aperto de mão, que fora respondido prontamente. Primeiro, agradecia por não ter sido mal tratado, e depois, fazia o seu apelo. Obviamente necessitava de dinheiro para alimentar-se, e nesse ponto, a maioria das pessoas negaria ou cederia algum biscoito ou qualquer outra coisa que pudesse alimentá-lo, naquele momento. Ou ainda, levaria a uma lanchonete próxima, e compraria-lhe um salgado qualquer.

Sob qualquer que fosse o ato, senão dar-lhe o dinheiro, estaria a intenção de eliminar qualquer possibilidade de endossar qualquer vício do rapaz, caso ele o tivesse. Porém, o rapaz no ponto de ônibus não poderia ter tais atitudes já que seu ônibus logo chegara.

Enquanto suplicava por algum dinheiro, o mendigo argumentava que o mesmo não seria para drogas, e que realmente estava com fome. Falara também que fora traficante, o que fora subtendido como um mínimo de conhecimento sobre seus nocivos efeitos. Talvez, se conhecesse mesmo estaria no caminho certo por não querê-las mais, e trocá-las por alimento, pensou.

Ao mesmo tempo em que conversava, o rapaz no ponto de ônibus lembrava-se das vezes em que vira o mendigo vendendo alguns doces, naquele mesmo lugar. O que mostrava-lhe no mínimo que o vendedor não estava satisfeito com a condição de vida que levava. Então, resolveu dar-lhe algumas das poucas moedas, em sua carteira, que seriam o suficiente para um salgado.

O brilho nos olhos do rapaz, e o largo sorriso, retiraram qualquer suspeita de que a pequena quantia seria usada para outros fins. Instantaneamente veio-lhe a mente a imagem de uma criança que fica feliz ao receber um presente no dia do seu aniversário ou ainda numa noite de Natal, acreditando que tenha sido o Papai Noel.

Gentilmente o mendigo beijava a mão do rapaz, como forma de agradecimento, além das inúmeras vezes em que repetia a palavra “Obrigado!”. Mas, ciente de que somos falhos, e que às vezes erramos, com o intuito de que o dinheiro devesse realmente ser gasto com comida, eu lhe disse:
- Deus está vendo!


Rio, 03/08/2009